Projeto de lei aprovado na Câmara permite elevar em até 35% mistura de etanol na gasolina
Projeto dos “combustíveis do futuro” impacta também o diesel e seguirá agora será debatido no Senado
César Tizo - março 14, 2024
A Câmara dos Deputados aprovou na noite da última quarta-feira o projeto de lei dos “combustíveis do futuro”, que cria programas nacionais de diesel verde, de combustível sustentável para aviação e de biometano, além de aumentar a mistura de etanol e de biodiesel à gasolina e ao diesel, respectivamente. A proposta seguirá para o Senado.
O texto é um substitutivo do deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) para o Projeto de Lei 528/20, do ex-deputado Jerônimo Goergen, tomando como base o PL 4516/23, do Poder Executivo.
A partir da publicação da proposta como lei, a nova margem de mistura de etanol à gasolina passará de 22% a 27%, podendo chegar a 35%.
Atualmente, o limite é de 27,5%, enquanto a concentração mínima de etanol anidro na gasolina é de 18%.
Procurada pelo Guru dos Carros para saber sobre o possível impacto da medida nos automóveis, a Anfavea, associação que reúne as fabricantes instaladas no Brasil, informou que não observa problemas para os veículos flex, uma vez que são projetados para qualquer mistura dos dois combustíveis.
“Porém, para veículos a gasolina, importados ou aqueles nacionais mais antigos, entendemos que testes de avaliação deveriam ser feitos antes de se autorizar o aumento do percentual de etanol na gasolina“, declarou a Anfavea em nota enviada ao site.
Quanto ao biodiesel, o projeto aprovado na Câmara estabelece que a mistura com o diesel de origem fóssil será elevada em 1 ponto percentual a partir de 2025 até atingir 20% em março de 2030. Vale lembrar que a partir deste mês o percentual da mistura é de 14%.
Entretanto, a adição deverá considerar o volume de produção do biodiesel e caberá ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) avaliar a viabilidade das metas de aumento ou redução da mistura em até 2 pontos percentuais. A partir de 2031, o conselho poderá elevar a concentração do biodiesel em até 25%, respeitando o mínimo de 13% de biocombustível na mistura.
Um regulamento definirá metodologia para a adoção de um sistema de rastreamento dos combustíveis utilizados em motores de ciclo diesel em todos os elos da cadeia produtiva a fim de assegurar a qualidade.
A adição voluntária de biodiesel em percentual superior ao fixado será permitida para determinados usuários listados no projeto
Outra novidade em relação à matriz energética atual é que a ANP terá poder de regulação e fiscalização sobre os combustíveis sintéticos e a estocagem geológica de gás carbônico, assim como contratar a atividade.
O projeto também autoriza a Petrobras a atuar nas atividades de movimentação e estocagem de gás carbônico, de transição energética e de economia de baixo carbono.
Diesel verde
Quanto ao Programa Nacional do Diesel Verde (PNDV), também pensado para incentivar a pesquisa, a produção, a comercialização e o uso desse biocombustível, o CNPE fixará, a cada ano, até 2037, a quantidade mínima, em volume, de diesel verde a ser adicionado ao diesel de origem fóssil.
Esse adicional deverá ser de, no mínimo, 3% por volume e levará em conta a comercialização em todo o território nacional.
Para definir esse volume mínimo, o conselho deverá analisar as condições de oferta de diesel verde, incluídas a disponibilidade de matéria-prima, a capacidade e a localização da produção; o impacto da participação mínima obrigatória no preço ao consumidor final; e a competitividade nos mercados internacionais do diesel verde produzido no Brasil.
Como a mistura, em termos de volume, deve ser alcançada nacionalmente, a ANP definirá os percentuais de adição para cada estado e Distrito Federal, podendo ser diferentes conforme diretrizes como a otimização logística na distribuição e no uso do diesel verde e a adoção de mecanismos baseados em mercado.
Vale explicar que “diesel verde” não deve ser confundido com biodiesel, uma vez que os produtos contam com propriedades e origens distintas.
Enquanto o biodiesel é um combustível derivado de biomassa, obtido a partir da reação de óleos ou gorduras com um álcool, o diesel verde é definido pela ANP como “biocombustível de hidrocarbonetos parafínicos produzido a partir de quatro rotas tecnológicas, como hidrotratamento de óleo vegetal e animal ou pela fermentação do caldo de cana-de-açúcar“.
O relator do projeto, deputado Arnaldo Jardim, defendeu a aprovação da proposta.
“É um projeto estratégico para que o Brasil consolide sua vocação agro, para que aprofunde a conquista da matriz energética limpa, renovável e sem paralelos no mundo e para termos uma matriz de biocombustíveis sem paralelos também”, afirmou.
Segundo Jardim, os biocombustíveis vão criar uma cadeia formidável de investimento para diferentes setores da economia brasileira. “São um passaporte para o Brasil ser uma das vanguardas do mundo na nova economia, a de baixo carbono.”
Ele explicou que o projeto segue a lógica estabelecida pela Medida Provisória 1205/23, que instituiu o Programa Mover (Mobilidade Verde e Inovação) para apoiar a descarbonização dos veículos brasileiros, o desenvolvimento tecnológico e a competitividade global.
Combustível de aviação
Arnaldo Jardim defendeu a adição paulatina do chamado combustível sustentável de aviação (Sustainable Aviation Fuel – SAF) no querosene da aviação. Segundo o relator, a expectativa é que o Brasil seja um exportador do bioquerosene.
“Tenho muito entusiasmo, não só pela questão ambiental, mas pela oportunidade de sermos exportadores. O Brasil não só suprirá, mas poderá ser uma grande plataforma de produção do BioQAV [Combustível Sustentável de Aviação]”, declarou.
Jardim ressaltou que essa mudança não impactará em grande medida o aumento do preço das passagens aéreas.
Biometano
Jardim lembrou que o biometano seguirá o caminho do etanol e da energia solar e terá preço competitivo. “Aquilo que é virtuosidade do etanol, a força do biodiesel daqui a pouco será o biometano. Vamos ampliar a produção, ter ganho de escala”, afirmou.
Ele lembrou que, na Conferência do Clima das Nações Unidas em Glasgow, Escócia (COP26), em 2022, houve um pacto mundial para reduzir a produção de metano, gás com maior impacto ambiental que o carbônico. “Diminuir isso significa criar o biometano, ser fonte descarbonizadora, agregadora de valor”, defendeu.
Segundo ele, o metano brasileiro vem principalmente de lixões, aterros e do setor de proteína animal.
Debate
Vários deputados subiram à tribuna para defender a aprovação da proposta citando a transição energética, a proteção ambiental e a descarbonização da economia. Houve parlamentares, porém, que viram com receio as mudanças.
Segundo o líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), o texto é resultado de negociação de líderes partidários com o governo e significa uma grande conquista para o País. “Dá sinais positivos para o mundo e o Brasil de que este Congresso e o presidente Lula trabalham fortemente para a transição energética e para pensarmos medidas de descarbonização da economia brasileira e de consolidação da economia verde”, afirmou.
O deputado Hugo Leal (PSD-RJ) disse, no entanto, que a ampliação da quantidade de biodiesel poderá ser um “lobo em pele de cordeiro” e prejudicar o transporte de mercadorias no País. “O biodiesel deixa borras, resíduos que comprometem a atividade do caminhão. Temos de ter cuidado. Um projeto que pode ser interessante, com apelo, pode causar impacto no dia a dia das pessoas.”
Segundo o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), o risco de agressão aos motores pelo biodiesel não é embasado em laudos técnicos. “Não causa nenhum problema nos motores, de acordo com laudo técnico da Scania [fabricante de caminhões]. Esta é uma política socialmente justa, ambientalmente louvável, é sequestro de carbono”, disse.
Para o deputado Gilson Marques (Novo-SC), o projeto gerará inflação ao aumentar preços de combustíveis sob a bandeira de proteger o meio ambiente. “Não podemos forçar o consumidor, a maioria pobre, a financiar o produto que voluntariamente ele não quer. Se a ideia fosse boa, ela não seria forçada.”
Já o deputado Bohn Gass (PT-RS) contestou o discurso de eventual aumento de preços. “Ouço que os preços vão subir. Mas que preço estamos pagando pela poluição que fizemos? Não há dinheiro que pague a destruição do meio ambiente”, disse.
Ele ressaltou que a proposta vai estimular uma nova indústria brasileira de biocombustíveis.
Estocagem de CO2
Deputados do Psol criticaram a captura e estocagem de gás carbônico, a partir de autorização da Agência Nacional do Petróleo (ANP), prevista no projeto. Segundo os parlamentares, a prática não tem obtido bons resultados onde é aplicada no mundo, com custos altos e pouca eficiência.
“O projeto pode abrir brecha para que empresas que tenham de reduzir sua produção de carbono se utilizem desse mercado para continuar poluindo, dizendo que estão capturando e estocando [CO2]”, afirmou o deputado Tarcísio Motta (Psol-RJ).
O relator do projeto, deputado Arnaldo Jardim, reconheceu que o processo de estocagem de gás carbônico exige cuidados, mas esclareceu que o regulamento da ANP tratará desde a qualificação das empresas para operar na área até a garantia do monitoramento da efetividade da medida.
Conteúdo: Agência Câmara de Notícias e demais fontes
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