Editorial: Reforma tributária é prejudicial para o setor automotivo e público PcD
Texto sancionado na última quinta-feira (16) vai sobretaxar veículos e impõe regras que limitam o acesso do público PcD à compra com isenção
César Tizo - janeiro 17, 2025
A reforma tributária sobre o consumo, discutida por meio do Projeto de Lei Complementar 68/2024, teve votação concluída pelo Congresso Nacional no fim do ano passado, trazendo uma série de impactos negativos para o setor automotivo e o público PcD, como já abordamos em outra análise aqui no Guru dos Carros. Havia a esperança de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetasse alguns desses pontos, o que, infelizmente, não ocorreu. O texto, agora convertido na Lei Complementar 214, foi sancionado na última quinta-feira (16) e apresenta diversos aspectos questionáveis.
Setor automotivo
No setor automotivo, a principal incongruência é a incidência do chamado Imposto Seletivo sobre os veículos, além de aeronaves e embarcações. Esse tributo, que tem por objetivo taxar “produtos que prejudicam a saúde ou o meio ambiente“, também será aplicado a bebidas alcoólicas e cigarros.
Sobre o tema, o presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, fez um comentário bastante pertinente: “Um veículo usado emite 23 vezes mais CO₂ do que um veículo novo. Um modelo novo também oferece muito mais segurança. Como pode o Imposto Seletivo tributar algo que pode colaborar até para melhorar o meio ambiente? Carros mais baratos podem estimular a renovação da frota e a circulação de veículos mais seguros. Que sentido faz aplicar um tributo adicional nesses automóveis? É incompreensível os automóveis estarem dentro do Imposto Seletivo.”
A fala de Lima Leite, corroborada pelo Guru dos Carros, ilustra bem a contradição de sobretaxar automóveis 0 km. Além disso, é importante lembrar que muitos brasileiros até mesmo utilizam seus carros como ferramenta de trabalho em aplicativos de transporte para geração de renda. Outro ponto que causa perplexidade é o fato de armas de fogo e munições, por exemplo, terem ficado de fora do Imposto Seletivo. Faz sentido?
A única luz no fim do túnel é que, conforme o Projeto de Lei Complementar 68/2024, serão criados cinco critérios para definir as alíquotas do Imposto Seletivo sobre veículos. Dentre esses critérios, que ainda serão regulamentados por lei ordinária, podemos citar: potência do veículo, densidade tecnológica (grau de modernização), etapas de fabricação realizadas no Brasil e a categoria do veículo. Portanto, o Imposto Seletivo poderá castigar menos os automóveis mais acessíveis.
Público PcD
O público PcD também foi duramente atingido pela Lei Complementar 214. O texto restringe o acesso à isenção para cidadãos com deficiências físicas que “não produzam dificuldades para o desempenho de funções locomotoras”. Ou seja, a isenção dos novos tributos (IBS e CBS) será concedida apenas quando as deficiências comprometerem partes do corpo essenciais à segurança ao dirigir e demandarem adaptações específicas no veículo.
A situação chega ao absurdo de excluir, por exemplo, uma pessoa amputada da perna esquerda que necessite apenas de um carro com câmbio automático, pois não seriam necessárias adaptações adicionais ao veículo. Essa exclusão desconsidera que o cidadão do exemplo é, indiscutivelmente, uma pessoa com deficiência. Segundo especialistas, a regulamentação da reforma tributária poderá abordar casos como esse, mas ainda não há garantias.
Adicionalmente, pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) de nível de suporte 1 (leve), que apresentam dificuldades na comunicação social ou comportamentos repetitivos, também perderão o direito ao benefício. A legislação atual não distingue níveis de suporte, avaliando cada caso individualmente.
Após as discussões na Câmara e no Senado, a nova Lei Complementar 214 estabeleceu o valor de R$ 200 mil como teto para automóveis adquiridos na categoria PcD, excluindo os custos de adaptação, quando necessários. Contudo, o teto de isenção dos impostos continua limitado a R$ 70 mil, além da exigência de permanência com o veículo por ao menos quatro anos. Para os taxistas, as regras atuais de isenção de IPI e IOF foram mantidas.
Dado que a maioria dos consumidores na categoria PcD necessita apenas de veículos com câmbio automático ou direção assistida, as novas regras da Lei Complementar 214 praticamente inviabilizam o acesso ao benefício fiscal.
É esperado que deputados e senadores sensíveis à causa PcD apresentem medidas para corrigir os erros cometidos contra esse segmento. Entretanto, até que isso ocorra, recomendamos que os cidadãos PcD que puderem trocar ou adquirir um automóvel o façam o quanto antes, evitando as regras prejudiciais que entrarão em vigor nos próximos anos.
Enquanto aguardamos possíveis correções, bem como eventuais batalhas jurídicas, esperamos que os congressistas e a administração pública reflitam sobre as consequências de medidas que penalizam ainda mais alguns segmentos da sociedade.
Editorial de César Tizo – Fundador do Guru dos Carros
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