Mesmo com o novo programa de incentivo do governo, o sonho do carro popular ainda esbarra no crédito caro e na renda do consumidor
César Tizo - julho 18, 2025
Eduardo Pincigher é jornalista formado pela PUC-SP e atua no setor automotivo desde 1989, com passagens em diversas publicações e montadoras. Hoje trabalha como assessor de imprensa por intermédio de sua agência de comunicação e reúne em sua coluna semanal algumas passagens curiosas e análises sobre o segmento
O primeiro semestre de 2025 fechou com crescimento de 5% nos emplacamentos de automóveis e comerciais leves ante 2024, totalizando 1,13 milhão de unidades. A projeção anunciada pela Anfavea, entidade que congrega as montadoras, é de 2,65 milhões para o ano cheio de 2025, alta de pouco mais de 6%. O segundo semestre de todos os anos é bem mais “emplacador” do que o primeiro. Por isso espera-se mais 1,5 milhão até dezembro.
Mas não há motivos pra soltar fogos.
Os juros estão altos, o que dificulta o acesso aos financiamentos, além de os carros terem recebido novos itens obrigatórios nos últimos anos que encareceram os preços finais. É por isso que as vendas não decolam pra valer, considerando a lembrança histórica de que o mercado brasileiro tinha potencial para chegar a 4 milhões de emplacamentos anuais, marca quase alcançada em 2012.
Tá ruim como tá hoje? Não. Mas também não tá essa maravilha. Tá mais ou menos.
Líder de vendas. E vendas de alto valor
A gente passou as últimas décadas pensando em Fiat como a marca que fazia altos volumes de Uno, Palio e Strada. E quase não vendia mais nada. Só que os tempos mudaram. Essa Fiat não existe mais, exceto pela Strada, que ainda é um fenômeno de vendas. Em lugar daquela Fiat, nasceu a FCA. E depois veio a Stellantis. O cenário hoje é tão diferente quanto a água do vinho.
2025: quando você soma os 21,3% da marca Fiat aos 4,9% de Jeep (participação nas vendas de janeiro a junho deste ano), além de RAM, Citroën e Peugeot, ultrapassa-se os 30%. Assassinando a matemática, mas por licença poética, dá para dizer que a Stellantis tem um terço das vendas de carros e comerciais leves no Brasil.
A Stellantis faz esse (quase) terço compondo os carros de volume com MUITAS unidades de Rampage, linha Jeep e outros exemplares de preços mais altos. E essa é grande diferença para a Fiat do passado.
“Ah, mas o maior volume é da linha Fiat.” Sim, é. Mas se a lista dos mais vendidos coloca Mobi e Argo com 33,2 mil e 44,5 mil unidades, respectivamente, também inclui 62,7 mil Strada (líder geral de vendas no país), 23,3 mil Toro e 25,2 mil Fastback, que, vamos combinar, não são carros entre os mais baratos do país. A empresa continua fazendo seu resultado no volume de vendas, mas elevou seu ticket médio com os novos modelos e as marcas que foram agregadas ao Grupo. Em 2025 foram vendidas mais de 55,6 mil unidades de Jeep e 13,7 mil picapes RAM no Brasil – a soma dessas duas marcas premium é maior do que as vendas da Toyota. Nada mau.
O impacto do IPI Verde
O programa Carro Sustentável, anunciado na semana passada pelo Governo Federal, vai baratear os modelos de entrada do mercado brasileiro com a redução de IPI. Sempre defendi, o que chega a ser uma obviedade sem tamanho, que o mercado só cresceria exponencialmente quando houvesse novidades no segmento de entrada. Essa é a chance, portanto! Mas… essa é justamente uma fatia de mercado que as montadoras se desinteressaram, à medida que, hoje, temos não mais do que meia dúzia de 8 exemplos de modelos realmente de entrada. Basicamente serão algumas versões daqueles que se enquadrarão no programa: Renault Kwid, Fiat Mobi e Argo, VW Polo, Hyundai HB20 e HB20S e Chevrolet Onix e Onix Plus.
Qual será o impacto dessa redução de IPI nas vendas desses carros e, como consequência, nas vendas globais do mercado nacional? Já te adianto: a tendência é que vá mexer só um pouquinho. Nada demais.
A teoria do 1>1 e do 1>6
Ouvi de um ex-presidente da Fiat, anos atrás, que quando você promove a variação de 1% no preço final de um carro de luxo (acima de R$ 200 mil), o impacto nas vendas é de 1%. Por exemplo: dou 1% de desconto? Aumento a venda em 1%. Subo 1% no preço? A venda cai 1%.
“Só que quando você altera o preço de um carro de entrada em 1%, o resultado no varejo pode ser de até 6 pontos percentuais, uma vez que a base das vendas é muito mais sensível a qualquer variação de valores”, defendia o italiano Pacifico Paoli, o autor do enunciado. Será que ainda é tudo isso?
Sejamos conservadores e adotemos um impacto de 3% na variação, uma vez que os juros continuam altos e as instituições financeiras têm sido restritivas no acesso ao crédito. Algumas montadoras já divulgaram os descontos, que, na média, ficaram ali na casa de 8%. O Polo Track, por exemplo, caiu de R$ 95,8 mil para R$ 87,8 mil (-8,4%). Estimo que essa versão represente cerca de 50% das vendas da linha Polo – a Volks, infelizmente, não divulga o mix de versões de seus produtos. Como a linha completa do VW Polo (2º modelo mais vendido do país de janeiro a junho de 2025) emplacou 57,2 mil unidades, a venda da versão Track teria sido ao redor de 28 ou 29 mil unidades, ok?
Se o impacto para cada ponto percentual de desconto multiplicar-se por três, de acordo com a tese do Paoli, as vendas desse modelo poderiam ser ampliadas em 25% no segundo semestre, certo? Isso daria um aumento espontâneo de 7 mil unidades de julho a dezembro.
Agora veja o exemplo do Fiat Argo, que teve o mesmo desconto de 8,4%: a versão aprovada pelo Programa (Drive 1.0 MT) possui 60% das vendas do mix, que representou cerca de 26,6 mil unidades das 44,4 mil totais do modelo – a Fiat divulga esse dado. Isso acrescentaria 6,5 ou 7 mil novos Argo Drive 1.0 MT às vendas.
Já o Mobi, em compensação, ingressa com todas as versões nessa nova regra. E mais: a Fiat, além da diminuição do IPI, criou uma promoção extra que, lá na última linha, vai reduzir o preço do subcompacto de R$ 81 mil para R$ 68 mil!! Isso dá 16% de desconto total. Se aqui também valer o fator 3 de impacto no varejo, nós teremos uma venda de Mobi quase 50% maior no segundo semestre do ano, aumentando os emplacamentos de 33,2 mil para quase 50 mil unidades no novo período.
E tudo isso junto vai dar…
Tudo é estimativa, ok? Mas se você aumenta 7 mil unidades em um modelo aqui, mais 7 mil no outro ali e ainda tem Mobi e Kwid que devem ampliar muito seus volumes… Vamos calcular que o IPI Verde poderia aumentar a venda de carros no país (arredondando pra cima) em… 100 mil unidades?? Vale lembrar: só são 8 modelos beneficiados.
(Para efeito de comparação: em 2000, eu participei do maior comparativo já feito pela imprensa automotiva brasileira: a revista Motor Show reuniu todos os carros populares e rodou por 24 horas com esses modelos no Autódromo de Interlagos com motoristas comuns. Eles desciam do carro depois de turnos de 2 horas e davam notas para o modelo que haviam acabado de guiar. Detalhe: eram 22 carros.)
Pois então. Lembra que a estimativa da própria indústria era fechar 2025 com 2,65 milhões de unidades, com vento a favor, reza brava e nenhuma nova crise para chamar de sua?? Pois o IPI Verde tende a elevar o volume final de carros emplacados para (aplique aqui o crescimento de 100 mil carros)… 2,75 milhões.
Isso ainda está abaixo do volume de 2010 (3 milhões). Ou muito abaixo do de 2012 (3,63 milhões). Mas é um começo de retomada. Tomara que o Paoli tenha razão e o impacto continue sendo de 6 pontos percentuais. Talvez o contingente final não seja de 100 mil carros, e sim 200-250 mil. Iríamos para 2,85 ou 2,9 milhões.
Como resolve?
O Brasil perdeu aquela vocação de produzir carros “populares”. A iniciativa do Governo Federal em criar o Programa Carro Sustentável é benéfica, mas a retomada daquela indústria pujante não virá dessa iniciativa. Pelo menos com o line-up que temos hoje no Brasil.
Na minha modestíssima opinião, a retomada virá do crédito mais acessível, pelo menos com esse cenário.
Bingo.