Carros autônomos: avançados, mas reféns da confiança humana
Apesar dos avanços em inteligência artificial e sistemas de direção autônoma, motoristas ainda hesitam em entregar controle total do carro
César Tizo - setembro 21, 2025
Em meio ao burburinho do Salão de Munique, onde gigantes europeias montaram estandes monumentais e disputaram a atenção com marcas emergentes da China, um espaço menor, mas igualmente cercado por curiosos, abrigava uma visão ousada sobre o futuro da mobilidade. Era a Xpeng, que aproveitou o palco para exibir o novo P7 e reforçar uma de suas maiores apostas: a condução autônoma.
No comando da estratégia está Candice Yuan, diretora de produto para direção autônoma da marca. Vinda do universo de veículos logísticos autônomos na Alibaba, ela surpreende ao sustentar uma tese contraintuitiva: sistemas de Nível 4, em que o carro dirige praticamente sozinho, podem ser menos complexos que as soluções de Nível 2+, aquelas que ainda exigem a supervisão constante do motorista.
A explicação está no fator humano. “O condutor não se preocupa apenas com segurança, mas também com eficiência e conforto. Se o carro acelerar ou frear de maneira diferente do que ele espera, o motorista vai assumir o controle. Essa imprevisibilidade torna o desenvolvimento mais desafiador do que um veículo totalmente autônomo”, observa.
Motoristas tendem a assumir o controle do carro dependendo das respostas do sistema autônomo
A reflexão traduz bem o caminho da Xpeng. A empresa, que se diferencia no mercado chinês justamente por seu sistema de assistência avançada, aposta em inteligência artificial para dispensar o uso de sensores LiDAR.
Yuan conta que a decisão de abandonar essa tecnologia foi amadurecida por anos, até que a companhia se sentisse segura para substituir mapas em alta definição por uma abordagem baseada em visão, linguagem e ação. A lógica é treinar os algoritmos com milhares de pequenos vídeos captados em situações reais de tráfego, tanto em erros quanto em boas práticas, alimentando um aprendizado contínuo que acelera a evolução do sistema.
Não por acaso, a Xpeng também desenvolveu seu próprio chip de inteligência artificial, o Turing AI, criado para integrar de forma mais estreita hardware e software. Para Yuan, é essa combinação que vai permitir à marca ganhar velocidade na corrida pelo carro autônomo. “Hardware e software não podem andar separados. Quanto mais conectados estiverem, mais rápido avançaremos”, resume.
Na visão da Xpeng, quanto maior a integração entre hardware e software, melhores serão as respostas dos carros autônomos
Com mais de mil engenheiros dedicados exclusivamente ao tema, espalhados entre China, Estados Unidos e Europa, a empresa já anuncia planos ousados: iniciar em 2026 a produção em escala de veículos robotáxi de Nível 4. O desafio, no entanto, não é apenas técnico. A executiva admite que as maiores barreiras estão na regulação, especialmente fora da China, onde a legislação para uso de sistemas avançados ainda é restritiva.
Enquanto isso, a companhia aproveita o pioneirismo em mercados mais abertos para consolidar sua base tecnológica. Em Hong Kong, por exemplo, já obteve autorização para estacionamento autônomo remoto. Na Europa, limita-se por ora ao oferecimento de recursos básicos como controle de cruzeiro adaptativo e centralização de faixa, à espera de avanços regulatórios que permitam a introdução plena de sua plataforma XNGP.
Xpeng P7
Se o futuro da condução autônoma ainda depende de marcos legais, Yuan não hesita em projetar a próxima etapa. Para ela, o salto do Nível 2 ao Nível 4 será o divisor de águas, e uma vez alcançado, a transição para o Nível 5 — o da automação total — será apenas uma consequência natural. “Nível 4 e Nível 5 são muito próximos. O grande desafio é sair do Nível 2”, afirma.
Em Munique, cercada pelo contraste entre os estandes monumentais das marcas tradicionais e a ousadia de startups chinesas, a executiva deixou escapar um detalhe que ajuda a entender seu entusiasmo.
Questionada sobre o carro que dirige no dia a dia, revelou o gosto por SUVs de grande porte e adiantou, em tom quase confidencial, que pensa em trocar o atual Xpeng G9 por um modelo ainda maior. Mas não um SUV convencional: talvez um dos primeiros robotáxis de Nível 4 que a própria empresa começará a fabricar. Uma pista de que, para a Xpeng, o futuro da mobilidade já não é apenas um exercício de projeção, mas um plano em plena execução.