Brasil em alerta: nova crise dos chips ameaça paralisar produção automotiva em semanas
Escassez de semicondutores causada por disputa entre EUA, China e Holanda pode paralisar linhas de produção em poucas semanas
César Tizo - outubro 23, 2025
A indústria automotiva brasileira enfrenta uma nova ameaça de paralisação devido à escassez crítica de semicondutores, desta vez provocada por tensões geopolíticas entre Estados Unidos, China e Holanda. Procurados pelo Guru dos Carros, o Sindipeças-Abipeças e a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) informaram que já emitiram alerta para o governo federal sobre a gravidade da situação, que pode afetar operações fabris no país em questão de semanas.
A crise tem origem na disputa comercial envolvendo a Nexperia, gigante holandesa de semicondutores controlada pela chinesa Wingtech Technology. Em dezembro de 2024, a Wingtech foi colocada em uma “lista negra” americana de empresas sujeitas a controles de exportação. No dia 29 de setembro deste ano, esses controles foram estendidos às subsidiárias de empresas colocadas nessa lista, o que incluiu também a Nexperia.
Um dia depois, em 30 de setembro, o governo holandês assumiu o controle da Nexperia, invocando uma lei da época da Guerra Fria que permitia tais medidas para fins de segurança nacional e citando “graves deficiências de governança” na Nexperia. Diversos relatos afirmaram que a atitude do governo holandês foi uma resposta às pressões americanas que vinham aumentando desde junho, embora a Holanda tenha negado que isso tenha influenciado. Em um comunicado, o governo afirmou que buscava evitar uma situação em que os produtos da Nexperia “ficassem indisponíveis em uma emergência”.
Em resposta, a China impôs restrições à exportação de componentes eletrônicos fabricados nas unidades chinesas da Nexperia, que são responsáveis pela embalagem e testes dos chips produzidos na Europa.
“Nas últimas semanas, observamos uma redução significativa na disponibilidade de componentes eletrônicos essenciais para módulos de controle, sistemas de injeção e produtos de alta tecnologia aplicados em veículos leves, comerciais e industriais“, afirma o Sindipeças-Abipeças em comunicado. A entidade alerta que esses componentes não possuem, no curto prazo, alternativas de fornecimento local ou regional.
Impacto generalizado
O problema afeta diretamente montadoras instaladas no Brasil como Volkswagen, Stellantis, GM, Toyota, Hyundai e BYD, além de empresas de autopeças e eletrônica embarcada. Um veículo moderno utiliza, em média, entre 1 mil e 3 mil chips. Sem esses componentes, as fabricantes não conseguem manter as linhas de produção em andamento.
“Com 1,3 milhão de empregos em jogo em toda a cadeia automotiva, é fundamental que se busque uma solução em um momento já desafiador, marcado por altos juros e desaquecimento da demanda“, alertou Igor Calvet, presidente da Anfavea.
A situação é ainda mais preocupante porque os estoques atuais devem durar apenas algumas semanas, segundo entidades do setor na Europa e Estados Unidos. O cenário remete à crise de semicondutores vivida durante a pandemia da Covid-19, que paralisou fábricas em todo o mundo.
Impacto da falta de chips é global, atingindo diversos países e fabricantes
Risco aos programas estratégicos
Além da ameaça de paralisação imediata, a crise coloca em risco o cumprimento de contratos de exportação e pode desacelerar investimentos recentemente anunciados no país. O Sindipeças-Abipeças destacou a relevância estratégica da cadeia automotiva para o programa MOVER e para a agenda de reindustrialização verde no Brasil.
A entidade solicitou o apoio do Governo Federal, especialmente do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e do Ministério das Relações Exteriores (MRE), para gestões técnicas e diplomáticas junto ao governo chinês visando garantir a continuidade do fornecimento.
Contexto internacional
A Nexperia, com sede em Nijmegen, na Holanda, é responsável por cerca de 60% dos semicondutores destinados à indústria automotiva global. A empresa produz chips que, embora não sejam de última geração, são essenciais para funções básicas dos veículos, como controles de direção, iluminação e unidades eletrônicas de controle.
O governo holandês afirmou em 17 de outubro que iniciou conversas com a China para suspender as restrições de exportação. O ministro da Economia holandês, Vincent Karremans, declarou esperar uma reunião com autoridades chinesas nos próximos dias para resolver o impasse.
Nos Estados Unidos e Europa, a crise já mobiliza entidades do setor. A ACEA (associação europeia de montadoras) e a Alliance for Automotive Innovation (que representa GM, Ford, Toyota, Volkswagen e Hyundai nos EUA) também pediram soluções urgentes aos governos.
Dificuldades de substituição
Apesar dos esforços das montadoras para diversificar fornecedores após crises recentes, a substituição dos chips da Nexperia é complexa. Os componentes são de tecnologia madura, controlada por poucos fornecedores, e estão embutidos em peças certificadas para padrões automotivos de qualidade e segurança.
Analistas avaliam que, embora alguns dispositivos possam ser substituídos em prazo mais curto, aqueles relacionados à segurança ou com software embarcado exigem processos mais longos de certificação e integração.
A Anfavea e o Sindipeças-Abipeças se colocaram à disposição do governo para fornecer informações técnicas detalhadas sobre os produtos afetados, reforçando o compromisso com a geração de empregos qualificados e o avanço das metas de descarbonização e inovação tecnológica no Brasil.