Ministério Público descobre trabalho escravo em obras da BYD na Bahia; montadora rompe contrato com empreiteira
163 trabalhadores são resgatados após inspeção e a BYD se compromete a não tolerar desrespeito à legislação brasileira
César Tizo - dezembro 24, 2024
Na manhã da última segunda-feira (23), um escândalo envolvendo a BYD e a construtora terceirizada Jinjiang Construction Brazil Ltda. veio à tona, quando 163 operários foram resgatados em condições análogas à escravidão no canteiro de obras da futura fábrica da empresa em Camaçari, na Bahia. O caso, que chocou as autoridades e a opinião pública, expôs a precariedade das condições de trabalho e alojamento de empregados, obrigados a trabalhar em situações degradantes, sem descanso adequado e com jornadas exaustivas.
A força-tarefa composta por órgãos como o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Defensoria Pública da União (DPU), a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF) agiu para embargar as atividades no local e intervir nas condições de trabalho, resgatando os operários afetados. As inspeções apontaram uma série de irregularidades nos alojamentos, onde os trabalhadores dormiam em camas sem colchões e enfrentavam problemas graves de infraestrutura e higiene, como banheiros insuficientes e alimentos armazenados de maneira insalubre.
Em um caso particularmente grave, foram encontrados materiais de construção civil próximos aos alimentos, alguns dos quais estavam armazenados perto de banheiros em condições insalubres. Apenas um dos alojamentos dispunha de um refeitório improvisado, com bancos e mesas de madeira em área semicoberta, ainda assim insuficiente para todos os trabalhadores, obrigando a maioria a realizar suas refeições nas próprias camas.
Em um dos quartos, ocupado por uma cozinheira, foram encontradas panelas com alimentos preparados deixadas abertas no chão, expostas a sujeira e sem refrigeração, para serem servidas no dia seguinte. Os trabalhadores consumiam água diretamente da torneira, sem tratamento, inclusive levando-a em garrafas para o local de trabalho.
As condições no canteiro de obras também revelaram graves irregularidades. O refeitório no local de trabalho utilizava coolers para servir as refeições, sem garantir condições mínimas de higiene. Os banheiros químicos, apenas oito para aproximadamente 600 trabalhadores, encontravam-se em estado deplorável, sem papel higiênico, água ou manutenção adequada, além de não respeitarem as distâncias mínimas estabelecidas por norma.
Resposta da BYD
Em comunicado oficial da BYD Auto do Brasil ao Guru dos Carros, empresa se manifestou sobre a situação e reafirmou seu compromisso com as leis brasileiras e com a dignidade humana. A empresa informou que decidiu encerrar imediatamente o contrato com a Jinjiang Construction Brazil Ltda. e transferir os trabalhadores resgatados para hotéis na região, garantindo que seus direitos trabalhistas sejam respeitados. A BYD afirmou ainda que vem realizando, ao longo das últimas semanas, uma revisão detalhada das condições de trabalho e moradia das empresas terceirizadas, com o objetivo de garantir a regularização das condições de todos os envolvidos na obra.
O vice-presidente sênior da BYD no Brasil, Alexandre Baldy, declarou na nota oficial que a empresa está colaborando com as autoridades competentes e segue comprometida com a ética e o respeito aos direitos dos trabalhadores. A companhia, que opera no Brasil há dez anos, se colocou à disposição para adotar outras medidas necessárias, com o intuito de corrigir as falhas encontradas no processo de construção da fábrica em Camaçari.
Condições dos trabalhadores
As condições encontradas nas inspeções eram alarmantes, relatam os responsáveis pela força-tarefa. Nos alojamentos, os trabalhadores enfrentavam não apenas a falta de colchões adequados, mas também problemas como a falta de armários pessoais e a necessidade de compartilhar um único banheiro com 31 colegas. As cozinhas improvisadas e os refeitórios de péssima qualidade também representavam um risco à saúde dos trabalhadores, que eram forçados a consumir alimentos armazenados em locais insalubres.
A jornada de trabalho, aponta a força-tarefa, estava fixada no contrato em dez horas diárias, o que era agravado pela ausência de concessão regular das folgas previstas no instrumento. Foi identificado um trabalhador vítima de acidente de trabalho que estava há 25 dias sem folga. Esse trabalhador relatou cansaço e sonolência no momento do acidente, demonstrando que as longas jornadas e as condições de alojamento, que impedem o descanso, foram fatores cruciais para o acidente.
A situação foi ainda mais agravada pela retenção dos passaportes dos trabalhadores, que têm origem chinesa. Além disso, a construtora retinha 60% dos salários (recebendo apenas 40% em moeda chinesa) e ainda cobrava caução dos trabalhadores. Todas as práticas configuram trabalho forçado, detalham as autoridades. Caso um operário optasse por rescindir o contrato, perderia a caução e todos os salários recebidos até então, além de ser obrigado a pagar por sua própria passagem de volta.
Repercussão e medidas futuras
O caso levanta questões sérias sobre as condições de trabalho em projetos de grande porte no Brasil, especialmente em um contexto de terceirização de serviços e falta de fiscalização rigorosa. A situação pode ser um reflexo de práticas ainda comuns em algumas obras, onde a busca por reduzir custos acaba comprometendo os direitos fundamentais dos trabalhadores.
Em resposta, a força-tarefa continuará a realizar inspeções e acompanhar o desdobramento do caso, enquanto a BYD busca corrigir as falhas estruturais e operacionais observadas. A empresa, embora tenha demonstrado prontidão em resolver a situação, será novamente desafiada a implementar medidas que assegurem o bem-estar de todos os trabalhadores envolvidos.
A situação também serve como um alerta sobre a necessidade de maior vigilância e transparência no setor, a fim de evitar que situações semelhantes se repitam e garantir que os direitos trabalhistas sejam respeitados em todas as etapas de grandes empreendimentos no Brasil.
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