Modelo, que foi restaurado no RS e virou estrela de cinema, vai a leilão e pode ter lance mínimo acima de R$ 300 mil
César Tizo - março 10, 2025
Após passar mais de duas décadas esquecido em uma garagem na capital paulista, um exemplar do Opel Kadett 1968 renasceu para se tornar um dos protagonistas do filme Ainda Estou Aqui, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional em 2025.
Antes disso, o modelo enfrentou uma longa jornada: foi resgatado por um colecionador do Rio Grande do Sul, passou por uma restauração minuciosa e, em 2023, teve sua cor alterada de amarela para vermelha para se adequar ao roteiro do longa. Agora, o icônico veículo está exposto no Dream Car Museum, em São Roque (SP), onde pode ser visitado até o dia 17 de março.
A história deste Opel Kadett começou muito antes de sua estreia no cinema. Estima-se que o carro tenha sido importado da Alemanha para o Brasil ainda zero-quilômetro. No início dos anos 1990, o colecionador Ricardo Antônio Amoedo, conhecido no meio antigomobilista como Ricardo Jacó, o encontrou abandonado em uma rua no bairro de Pirituba, em São Paulo.
“Gostei do modelo, perguntei de quem era e fiz a proposta. Comprei de um barbeiro, bem barato, por cerca de R$ 1,5 mil”, relembra Jacó. Apesar de usar o carro por um tempo, ele acabou deixando o veículo parado por mais de 20 anos. “Tenho essa mania: uso os carros por um tempo e depois deixo eles parados”, conta.
Com o passar dos anos, o cupê acumulou ferrugem e poeira na garagem, até que, em 2015, foi resgatado por um colecionador de Carazinho (RS). Pouco tempo depois, foi adquirido pelo médico Alexandre Gireli Colcete, vice-presidente financeiro do Veteran Car Club Novo Hamburgo, que decidiu restaurá-lo completamente.
“O veículo tinha muita ferrugem e precisou ser restaurado, recebendo nova pintura. Além de retificar o motor, fizemos toda a suspensão e uma revisão geral. Já o interior estava em ótimo estado e foi mantido todo original”, explica Colcete. Após um ano de trabalho, o Opel Kadett estava de volta à ativa e, em 2016, foi premiado na Expoclassic, maior exposição de veículos antigos em área coberta do Brasil.
Equipado com motor 1.1 de 4 cilindros – a gasolina e refrigerado a ar –, o cupê da marca alemã conta com 60 cv de potência e 8,6 kgfm de torque, sendo equipado com câmbio manual 4 marchas. Apesar do desempenho não ser um ponto forte do modelo, Colcete revela que “o carro é bom de dirigir, apesar de ser um pouco lento, tornando-se ideal apenas para pequenos deslocamentos. Entretanto, na época dele, no final dos anos 60, era o que tínhamos à disposição no mercado”, recorda.
Em 2023, o empresário Fábio Costa Martins, dono da empresa Veículos de Cena, especializada no fornecimento de automóveis para produções audiovisuais, recebeu uma missão: encontrar um Opel Kadett vermelho para o filme Ainda Estou Aqui. Após negociações, que contaram com a intermediação de Ricardo Jacó, Fábio e seu filho Gabriel compraram o modelo do médico Alexandre Gireli Colcete.
Mas havia um problema: o carro era amarelo com teto preto de vinil. “O pedido da produção era bem específico: o Opel tinha que ser vermelho”, lembra Fábio, que não hesitou em transformar o veículo.
“Tudo foi feito em um prazo recorde: em apenas 5 dias, desmontamos, preparamos, pintamos e montamos novamente o veículo. Antes de entregar à equipe do filme, ainda eliminamos vários ruídos do modelo, pois sei que o diretor Walter Salles é extremamente exigente”, conta Fábio, que é conhecido no meio como um verdadeiro “McGyver” pela habilidade de resolver qualquer problema.
As filmagens de Ainda Estou Aqui ocorreram no Rio de Janeiro a partir de junho de 2023. Durante sete meses, o Opel Kadett vermelho esteve à disposição da equipe e apareceu em diversas cenas do longa. Um dos momentos mais marcantes do filme é quando o ex-deputado Rubens Paiva, interpretado por Selton Mello, sai dirigindo o carro pela última vez. O modelo também foi conduzido pela atriz Fernanda Torres, que dá vida a Eunice Paiva.
Após as gravações, o veículo precisou de uma sessão extra para captar sons essenciais para a edição. “Havíamos esquecido de gravar o barulho do motor ligando e o abrir e fechar das portas, então tivemos que providenciar isso depois”, revela Fábio.
Ao ver o filme pronto, o médico gaúcho ficou surpreso ao reconhecer o carro que restaurou e manteve por oito anos. “Falaram apenas que o veículo seria usado em um filme sobre um político brasileiro. Eu me sinto gratificado pelo fato de um carro que restaurei e ajudei a conservar ter sido utilizado nas gravações de uma obra com grande importância histórica, ganhadora de um Oscar”, declarou Colcete.
O Kadett agora ocupa um lugar de destaque na ilha principal do Dream Car Museum, um espaço temático em São Roque que reúne raridades automobilísticas. No acervo, ele divide espaço com quatro réplicas de batmóveis e tributos aos carros dos filmes Carros e Speed Racer.
A exposição, porém, tem data para acabar: no dia 17 de março, o veículo deixará o museu e seguirá para um leilão marcado para 22 de março. O interesse pelo modelo cresceu exponencialmente após o Oscar, e especialistas acreditam que o lance mínimo pode superar R$ 300 mil.
Para um carro que esteve fadado à ferrugem por tanto tempo, o desfecho não poderia ser mais surpreendente.
