Análise | Chineses escancaram como pagamos caro por carros no Brasil
Diferenças de até R$ 150 mil entre modelos equivalentes expõem distorções históricas que poderiam ser aceitas como “normais”
César Tizo - setembro 16, 2025
Já virou uma prática usual para o marketing das montadoras emitir comunicados sobre a rapidez com que determinado lote de “X” unidades de um automóvel recém-lançado é esgotado em poucos minutos ou horas. Um caso recente, como noticiamos, envolveu o Haval H9. O veículo, apresentado por R$ 309 mil – portanto longe de ser um produto acessível –, esgotou rapidamente as primeiras 100 unidades que a GWM havia disponibilizado para o período de estreia. A empresa, então, colocou mais 500 unidades à disposição e alegou ter comercializado, em apenas 7 horas, todo o volume previsto para este mês.
Tal movimentação não deixa de ser emblemática, uma vez que o Haval H9 vai atuar em um segmento altamente tradicionalista aqui no Brasil, sendo que, não por acaso, o Toyota SW4 é o líder em vendas isolado há vários anos. Mas o que nos diz essa notável aceitação inicial do utilitário da GWM?
Mudança no paradigma
Talvez o principal ensinamento que podemos extrair da apresentação bem-sucedida do Haval H9 seja a mudança no paradigma de preços que os brasileiros julgam aceitável pagar em um automóvel. Essa transformação teve início há cerca de 15 anos com as primeiras marcas chinesas apostando alto em uma receita de custo-benefício agressivo e agora se consolida com o valor agregado cada vez maior dos produtos desenvolvidos pela potência asiática.
É claro que a indústria automotiva se tornou uma prioridade estratégica para os chineses e, indiscutivelmente, os veículos exportados de lá para diversos países ao redor do mundo contam com uma série de incentivos e benefícios para oferecerem preços competitivos aonde quer que desembarquem. No jargão empresarial, é a prática conhecida como “comprar mercado”.
Entretanto, esse ponto nos leva a aprofundar ainda mais a análise.
Seguindo com o Haval H9 como exemplo, o utilitário passou a custar R$ 319 mil. Por esse valor, ele já oferece um pacote completo de assistência à condução Nível 2+, traz teto solar panorâmico, 7 lugares, motorização turbodiesel com câmbio automático de 9 marchas e tração 4×4 com reduzida, além da mesma construção de carroceria sobre chassi observada no Toyota SW4 (inclusive com garantia que cobre os mesmos 10 anos). O que justifica, então, a versão topo de linha do SW4 chegar às concessionárias custando R$ 469.890, sem sequer oferecer mais em termos de itens de série?
Haval H9: modelo é quase 50% mais barato do que o Toyota SW4
Abismo expõe distorções
Fica nítido que esse abismo de R$ 150.890 visto no exemplo acima está fazendo muitos brasileiros repensarem se o preço que pagamos por veículos de marcas há mais tempo estabelecidas no mercado é, de fato, algo aceitável. Mesmo considerando subsídios ou estratégias adotadas pelas marcas chinesas, seria apenas esse fator suficiente para justificar o SW4 custar 47,3% a mais que o Haval H9?
Em outros segmentos-chave do mercado brasileiro também notamos disparidades de preços difíceis de ignorar.
Entre os SUVs médios, por exemplo, torna-se pouco justificável alguém pagar R$ 169.990 em um Jeep Compass Sport (preço de tabela praticado atualmente), enquanto a CAOA Chery apresenta o Tiggo 7 Sport por R$ 139.990 – exatos R$ 30 mil a menos, ou uma diferença de 21,4%. Além de contar com carroceria maior, espaço interno mais generoso e porta-malas superior, o Tiggo 7 Sport praticamente não fica devendo em itens de série ao rival e ainda traz suspensão traseira multibraço, um layout mais sofisticado em relação ao sistema McPherson do concorrente.
Efeito dominó
Por fim, é justo creditar à BYD um importante estímulo à adoção dos carros elétricos no Brasil ao lançar o Dolphin Mini por menos de R$ 120 mil, estratégia que, inclusive, fez a Renault reposicionar drasticamente o preço do Kwid E-Tech. Quando foi lançado há cerca de três anos, o compacto elétrico – que também é importado da China – foi apresentado por R$ 142.990. Hoje, o modelo é tabelado em R$ 99.990, uma redução de R$ 43 mil apenas por conta da concorrência! Enquanto isso, a Fiat ainda luta para vender exemplares 2022 do 500e a um preço sugerido de R$ 214.990…
Despertar irreversível
O que presenciamos, portanto, não é apenas a chegada de novos concorrentes, mas sim um despertar irreversível do consumidor brasileiro para distorções históricas de preço que há décadas eram aceitas como “normais”. As marcas chinesas não estão apenas oferecendo produtos competitivos – elas estão forçando uma reavaliação completa da relação custo-benefício no mercado automotivo nacional.
A pergunta que fica é: quanto tempo as montadoras tradicionais levarão para se adaptar a essa nova realidade? Ou continuarão apostando que o conservadorismo do consumidor brasileiro será suficiente para manter seus preços sem a devida contrapartida em valor?
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