Coluna do Edu | Lecar 459 quer ser híbrido, nacional e acessível. Conseguirá?
Lecar 459 tem pré-venda aberta e previsão de chegada para agosto de 2026; proposta inclui produção local e tecnologia híbrida
César Tizo - junho 27, 2025
Eduardo Pincigher é jornalista formado pela PUC-SP e atua no setor automotivo desde 1989, com passagens em diversas publicações e montadoras. Hoje trabalha como assessor de imprensa por intermédio de sua agência de comunicação e reúne em sua coluna semanal algumas passagens curiosas e análises sobre o segmento
Você já viu aquela iniciativa de um empresário brasileiro para produzir um carro híbrido, o sedã Lecar 459? Fui bombardeado diversas vezes na timeline do meu Instagram com posts patrocinados pela marca nos últimos dias. Talvez porque eu goste de sedãs tenha me transformado em target. Vai saber. E tome post.
Fui atrás. Despertou meu interesse. Não pelo carro. Mas pelo tema. E descobri algumas coisas que achei que valiam ser divididas contigo. O Lecar 459 está em pré-venda, ainda que não exista fábrica pronta. Mas tem site. E a marca é habilitada pelo Programa MOVER. E tem muito post patrocinado (desculpe pela repetição. É que foram dezenas).
No site, ela assim se apresenta: “A Lecar é uma fabricante brasileira de veículos híbridos e elétricos criada para revolucionar a mobilidade no Brasil e na América Latina. Com uma proposta inovadora, produzimos carros com tração 100% elétrica, sem necessidade de recarga em tomadas, tornando a tecnologia acessível e prática.” O texto ainda se refere ao intento anterior, o de produzir um carro elétrico. Mas segue o jogo.
Você paga R$ 1.593 e já reserva o seu 459, em um lote de 1.000 unidades iniciais. Já haveria até um segundo projeto, a Campo, uma picape do porte da Fiat Toro, que derivaria do sedã. Custará exatamente o mesmo preço do sedã: R$ 159.300 O 459 é prometido para agosto de 2026. Até hoje, a imprensa só viu desenhos e mockups (maquetes). Mas segue o jogo (2).
Talvez o ineditismo da proposta, com todo o “orgulho” de ser a primeira fábrica brasileira de automóveis, consiga até subverter tudo o que indústria automobilística mundial tem feito nos últimos 100 e tantos anos. E o carro vai nascer sem ter a necessidade de produzir previamente os protótipos. Sei lá. Pode ser.
Ou pode ser que atrase. Pode ser tanta coisa.
A marca é nacional. O site repete orgulhosamente esse rótulo em várias telas. A fábrica seria inicialmente no Rio Grande do Sul. Depois passou para o Espírito Santo. Era pra ser um carro 100% elétrico. Mudou pra híbrido. E agora passa a ter produção na China. Depois será nacionalizado.
Entendeu?
Lecar 459
A TAC
Diante dessa salada de idas e vindas, lembrei-me de quando trabalhei na revista IstoÉ Dinheiro, entre 2002 e 2005. Foi a única experiência profissional ao longo desses 35 anos desvinculada diretamente do universo automotivo. Se bem que, atuando na editoria de Negócios, minha função era narrar histórias de empresas, cases de sucesso. E o único setor que eu conhecia era o automotivo, o que me manteve próximo ao segmento, mas sob a ótica do Business, não de produto, como havia atuado até então. Contei várias histórias dos momentos de algumas fabricantes, falei de autopeças, dei o furo de reportagem que anunciava o divórcio entre Audi e Senna Import.
Mas o que isso tem a ver com a Lecar?
Surgia, naquele início de milênio, a história de que um grupo de empresários catarinenses estaria fundando uma nova montadora brasileira, a TAC. Sustentada por um investimento, se não me falha a memória, de R$ 30 milhões. Fabricaria jipes. O nome do jipe era Stark. Nada a ver com o Tony, ainda que a fantasia rolasse solta. Era TAC. T-A-C, TAC. Chamou minha atenção, à época, que, curiosamente, qualquer fabricante de automóveis gastava mais do que R$ 30 mi para, grosso modo, trocar um para-choque. Mas a TAC faria um carro inteiro e, de lambuja, construiria a fábrica com esse investimento.
Anos depois, ela se transferiu de Santa Catarina para o Ceará. Imagino que tentaria aproveitar o know-how local com a produção de Troller, mas é só um palpite. Produção mesmo… sei lá. Nunca vi um desses rodando na rua.
Aliás, esse parece ser um sonho perseguido desde os primórdios. Uma fábrica de carros genuinamente brasileira. Há uma lista considerável de iniciativas que nunca saíram do papel. Desde a IBAP (Indústria Brasileira de Automóveis Presidente), lá nos anos 60, até as que deram certo, ou, pelo menos, passaram da fase do “projeto”. Gurgel e Troller são os principais exemplos.
No meu artigo sobre a TAC, a abertura do texto dizia mais ou menos o seguinte “Era uma vez um grupo de empresários que tinha o sonho de montar uma fábrica brasileira de automóveis…” Sarcasticamente, o tom de fábula. Infelizmente, eu estava certo. A TAC nunca passou disso.
Tendo a achar que a Lecar… Bom. Vou investigar melhor para não ser leviano (veja algumas respostas adiante). E só trarei verdades.
Por enquanto…
Vou só condensar as informações que já foram divulgadas. Me causa espécie, por exemplo, tratar uma das maiores verdades da indústria automobilística mundial com o mesmo ar blasé de sempre: parece que essas iniciativas nunca levam a economia de escala em consideração.
Fala-se com tremenda naturalidade de um sedã híbrido que ganhará as ruas em agosto de 2026 e vai custar somente R$ 159.300. Não que eu queira defender a Toyota, inclusive porque ela não precisa disso. Mas suponho, apenas e tão somente suponho, que a maior montadora do mundo deva saber fazer carros de forma eficiente, não? Logo ela que criou e é cátedra no Lean Manufacturing, que objetiva justamente a produção enxuta e, portanto, exemplar em economia de escala. Pois um Corolla Hybrid custa cerca de R$ 200 mil ao consumidor. Mas a Lecar conseguirá fazer o seu sedã híbrido e vendê-lo bem mais barato. Ok, então.
E um detalhe: nesses R$ 159,3 mil já está incluído um respeitável pacote ADAS, com sistema de permanência em faixa, controle de velocidade adaptativo, assistente de frenagem, alerta de ponto cego e assistente de direção semiautônoma nível 2.
Ilustração da Lecar Campo, picape derivada do sedã
Só para constar um exemplo prático de economia de escala. Eu fico perplexo como as pessoas fazem promessas e não consideram a bendita economia de escala em suas equações. Quando a Toyota se senta com um fabricante de amortecedores para negociar preços da peça, ela anuncia que comprará algumas centenas de milhares de unidades no decorrer do ano, algo que sustentará sua produção total. A Lecar ainda vai iniciar a fabricação do 459. Sua aquisição frente ao fabricante de amortecedores será obviamente uma fração de meia dúzia de amortecedores pingados frente ao que a Toyota vai comprar, não? Quem, na sua opinião, terá maior poder de negociação com o sistemista para adquirir componentes mais baratos? E, de acordo com essa lógica, se os insumos sempre serão mais caros para quem começa, como esse modelo de produção incipiente ainda vai resultar em um preço final 25% menor quando for lançado?
Cadê a mágica? Alguém me explica?
A receita do Lecar
O 459 teria motor elétrico (chinês) de 165 cv, com gerador da WEG. Para recarregá-lo, usaria um motor a combustão Horse (parceria entre Geely e Renault). É o 3 cilindros 1.0 turbo de 122 cv, basicamente o mesmo usado no Kardian, que serviria exclusivamente para recarregar o motor elétrico.
Meu lado graxeiro já começa a achar estranho. Se você vai usar um motor a combustão apenas para recarregar o elétrico, qual a necessidade de adotar um 1.0T, que é intrinsecamente “caro”?? Várias marcas chinesas têm adotado motorzinhos a gasolina como um “extensor de autonomia”. Todas, sem exceção, usam unidades motrizes de baixa cilindrada e potência. Ninguém usa um 3-cil turbo! A própria BMW, quando produzia o i3 REX, que usava sistema semelhante, adotava um motor de 600 cm3 com 38 cv. E eu falei de Bê Eme Dáblio, aquela que tem obsessão por potência. Se ela acha que 38 cv são suficientes para essa tarefa, por que diabos a Lecar precisa dos 122 cv do motor Horse?? Hein?
Algumas respostas
Questionada, a Lecar respondeu a alguns dos pontos levantados nesta coluna. Veja abaixo as declarações oficiais da empresa:
• Fábricas: “A fábrica será construída em Sooretama (ES). Recentemente, com o apoio do governo de São Paulo, estamos em tratativas iniciais com a InvestSP para a implantação de uma segunda unidade no estado.”
• Extensor de autonomia: “Uma das principais vantagens do sistema com extensor de autonomia é permitir o uso de um pack de baterias 80% menor no carro. A bateria Winston de 18,4 kWh, aplicada ao nosso projeto, conta com um controlador eletrônico com programações específicas de funcionamento. Eletronicamente, quando a carga da bateria atinge 30%, o sistema é acionado automaticamente até recarregá-la a 85%.”
• Preço: “O valor atual é promocional, exclusivo para clientes da fila de espera. Esse preço será reajustado em breve. No entanto, o sistema com extensor de autonomia também representa economia: retiramos cerca de 700 kg em baterias do veículo, o que contribui para a redução de custos.”
E aí?
“Era uma vez (…)” de novo? Ou sou daqueles insensíveis e insensatos articulistas que não valorizam o empreendedorismo nacional e vivem se locupletando (oi?) com o poder de influência das multinacionais?? Será que é isso? O que você acha?
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